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  • Foto do escritorVinícius de Oliveira.

Uma Sinopse.

O texto abaixo foi redigido como prefácio para obra, mas resolvi desentranhá-lo da versão final que seguiu para a diagramação. Ao comentar sobre cada conto em particular, ele acaba servindo como uma sinopse da conjunto.


Prefácio do próprio autor já saiu da moda na literatura brasileira contemporânea, mas faço questão de ir na contramão, iniciando essa coletânea de contos com um, ainda que julguem cafona o introito num livro de ficção, porque o autor também deseja ser lido por leitores que precisam de uma mãozinha para a compreensão da obra, semeando pistas de suas intenções; mas também porque, dando um vislumbre do que seus hipotéticos leitores terão em mãos, dá a eles a oportunidade de não perderem tempo, abandonando o livro logo de cara, ou de apenas aproveitar uma ou outra narrativa que vai em seu bojo.

Porém aproveita-se melhor o livro lendo-o na ordem, de cabo à rabo. A coletânea forma uma unidade, do ponto de vista temático, temporal e da localização geográfica dos eventos narrados.


O tema compõe-se de todo o universo de implicações psicológicas, sociais, políticas, antropológicas, religiosas e mesmo metafísicas que rondam o consumo das drogas como almas penadas de cadáveres insepultos. O tempo é o tempo presente, e a localização geográfica é o interior ou a capital de Minas Gerais. As vozes narrativas, se alternam entre a do narrador onisciente, por exemplo, do conto “O Inimigo Mora nos detalhes” e a voz em primeira pessoa do personagem psiquiatra do conto “Um Picaresco Drogadicto Carioca.” A opção é pelo realismo, pois o material que lhe serviu de esteio foi colhido da observação de pessoas e eventos reais do nosso tempo, dos anos 90 para cá. De certo modo, são flashs da história recente do país tal como ela se passou em seu interior. As narrativas se entrelaçam de muitas formas, a começar pelo compartilhamento de personagens, sendo aconselhável a leitura de todo o conjunto para a melhor compreensão do livro, embora o leitor possa obter muito bom proveito lendo apenas uma ou outra.


“Os Escoteiros” é o relato de uma infância ingênua e sórdida da última geração de meninos que não tiveram uma infância virtual, recheada de fantasmagorias culturais dos dois séculos passados, e ambientada no interior de Minas, no início dos anos 1.990. É ainda a história de como se cria um monstrinho.


“O Advogado dos Bola da Vez e Sua Missão Civilizatória num Morro Carioca” procura colocar em cheque estereótipos e opiniões políticas correntes sobre o consumo de drogas.


“Neuroquímica e Fantasmagoria” dá um título à obra que é a sua coluna vertebral temática: naturalismo e metafísica. É uma história de como os anos 1.960 tiveram uma capilaridade geográfica que se prolongou ao longo das décadas seguintes e de como até hoje a cultura daquela época molda a mente do jovem “esclarecido” de classe média.


“O Inimigo Mora nos Detalhes” trata do declínio e queda relâmpago de um bacharel que prestou concurso público para amarrar seu burro na sombra de nossa ineficaz e absurda máquina administrativa, bem como de um suposto acossamento “demoníaco” encarnado, e constitui também uma sátira de nossa absoluta miséria cultural de nossos portadores de diploma universitário.


“Autonomia da Vontade” correlaciona a brutal realidade do alcoolismo crônico com o “direito à morte digna”, tema tão atual.


Em “Um Picaresco Drogadicto Carioca” presta-se uma homenagem ao realismo da amoral ficção carioca - tradição que vai de Manuel Antônio de Almeida à Carlos Heitor Cony - narrada por um Dr. Sacks psiquiatra.


“Um Luau no Hospício” narra a vivência de uma clínica de recuperação que une dependentes químicos e pacientes psiquiátricos. “Partilha de Narcóticos Anônimos” é um conto-monólogo em que o personagem dispara a logorréia mais franca e desbocada como é comum nestes grupos, discorrendo até sobre ideologia de gênero e catolicismo.


Por derradeiro, a mesma vivência de “Um Luau no Hospício” está contida em “O Último Diário de Recaída”, o verdadeiro coração do livro, um misto de conto e ensaio sobre a matéria fulcral da obra, e uma homenagem à “Máquina do Mundo”, de Drummond.


Embora a editora tenha optado por enquadrar o livro na sua categoria editorial "palavras soltas", as narrativas que compõem essa coleção não estão "soltas" uma das outras. Na verdade, formam um conjunto mais ou menos harmônico, de modo que, ao fim e ao cabo, o leitor terá em mãos uma quase-novela.

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