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  • Foto do escritorVinícius de Oliveira.

Sexus, Nexus, Plexus II — Plataforma de Houellebecq, breve resenha.





Decidi ler meu terceiro romance de Michel Houellebecq, Aniquilar, lançado no fim de 2022 logo que saiu. Consegui começar esse ano, mas parei no meio para ler Plataforma, lançado em 2001. E decidi, suspender uma leitura para iniciar outra por uma razão bastante vulgar: os personagens de Aniquilar, assim como protagonista deprimido de Setotonina, abandonaram o sexo, vivem até como casais, mas não têm mais nenhum entusiasmo pelo amor físico. Já Plataforma, Plataforma é obscenidade do início ao fim. Um festival bíblico de obscenidades só superado pelo insuperável Teatro de Sabath, de Philip Roth.


Em Aniquilar, um romance de proporções dostoievskianas, os personagens renunciam ao sexo simplesmente porque Houellebecq é um homem realista e quis no romance retratar a vida do homem comum francês de seu tempo. São franceses de minha geração, os tais millenials, um deles é Ministro da Economia de Macron e está em plena campanha para as eleições presidenciais de 2027. Todos os casais, exceto o casal formado pela gentil e ingenuamente católica Cécile, irmã do protagonista Paul Raison, e o cunhado Hervé, estão em crise, e vivem em camas separadas. O recomeço dá-lhes uma preguiça imensa, postergam o amor físico o quanto podem. Um cansaço imenso parece tomá-los só de imaginar a relação sexual, a gravidez, a geração de filhos. Mas eles ainda podem imaginar. Houellebecq observa, e creio que é uma observação sociológica atual, que os jovens da geração seguinte a dos millenialls, que nasciam enquanto ele publicava Plataforma, por volta do ano 2000, quando os millenials eram adolescentes ou jovens adultos, sequer conseguem imaginar o que é uma relação sexual.


Tudo muito diferente do que acontece em Plataforma. Após a morte do pai, assassinado, o estoico Michel Renault, funcionário público do Ministério da Cultura, quarentão, decidi comprar um pacote de viagens para a Tailândia. Quer sair de seu isolamento, indo num movimento contrário ao que fazem os protagonistas de Submissão e Serotonina. Trata-se de uma excursão em grupo. Há entre eles o tipo de gente que se imagina que viajaria para a Tailândia: ambientalistas, biólogos, e turistas sexuais. Michel está no meio destes últimos, mas como que por acaso, “manso” como se diz coloquialmente, e não de forma descarada como Robert, um sujeito meio sinistro, mas que não chega ao cúmulo da bizarrice como um artista plástico sadomasoquista de quem Michel é amigo porque é responsável, no Ministério da Cultura, por autorizar o financiamento de exposições de obras de arte. Michel participa de todas as atividades inclusive as de aventura. O turismo em países exóticos e “selvagens” é uma herança da geração flower power, todos sabem; em 2000, 2001, já tinha uns 30 anos de história ou mais. Aldous Huxley capturou bem o ânimo de fuga da maldita sociedade de consumo ocidental dos boomers em seu romance A Ilha. Uma fuga para um mundo talvez mais puro, para um paraíso tropical, um éden encarnado, que dá errado, muito errado. Como continuou dando errado no filme adaptado A Praia, de Danny Boyle, estrelado por Leonardo di Caprio, que fez grande sucesso justamente uma ano antes, mais ou menos, de Plataforma.

Em 2000 esse tipo de turismo já não era uma aventura de fato, semelhante à aventura de Brigitte Bardot em Búzios, Rio de Janeiro, Brasil, na década de 1960, quando Búzios era apenas um misto de roça e praia. Tal como aconteceu com Arraial dos Búzios, os pontos turísticos tailandeses foram bem apropriados pelos empreendimentos capitalistas do ramo de aviação, de hotéis e resorts, etc. A aventura tornou-se mercadoria. Michel não lamenta nada disso. Está satisfeito, tudo lhe parece bom, menos o romance A Firma de John Grisham e um guia turístico impresso de um tempo pré-TripAdvisor. Vai a templos religiosos milenares, navega pelo lendário Rio Kwai onde outrora japoneses fizeram de ingleses seus escravos, espanta mosquitos num quiosque para dormir, vai a massagens. Mas como esperaríamos ele não se apaixona por nenhuma tailandesa, e sim por Valérie, que depois ele vem a saber, estava ali de férias curtindo a própria viagem que ela produziu numa agência em que trabalha.

Eu escrevi pouco atrás que em Aniquilar o sexo custa a acontecer. Em Plataforma é relâmpago. Como em Aniquilar Houellebecq faz uso recorrente da descrição de sonhos sem nos avisar e, distraídos, pensamos que é uma cena real do romance, até que o personagem acorda, pensei que Michel estava sonhando quando ele vai encontrar em Paris Valérie pouco após voltarem da viagem. Mas não. É real. É tão belo e tórrido que valeria a transcrição, mas eu pretendo ajudar nas vendas de Houellebecq no Brasil então não vou transcrever nada.




O que se segue é a história de um homem pleno de felicidade. E de uma mulher que só não está totalmente feliz porque o trabalho está lhe cobrando muito. Michel é a antítese perfeita do personagem que sofre de depressão severa e mórbida em Serotonina. E o motivo da sua felicidade é um só: Valérie, o amor físico com a bela e voluptuosa Valérie. Ele vive seu paraíso particular. Um paraíso que inclui clubes de suingue, ménages a trois, e outras aventuras pouco recatadas em que Valérie, bissexual que perdeu a virgindade com uma garota aos 15 anos, é parceira fiel.


A segunda parte do romance é a história desse homem feliz e uma imersão no mercado de viagens internacionais e hotéis. Valérie vai junto com o seu chefe, executivo de sucesso trabalhar para a mais poderosa rede de hotéis francesa, a mesma que mantém os Ibis que, no Brasil, estão espalhados por toda parte. Valérie abandona uma carreira de sucesso em uma agência de viagens e vai para a multinacional dos hotéis. Eles precisam levantar os resorts da rede ao redor do mundo, inclusive na Tailândia. Estão suando para encontrar alguma solução para aquele tipo de turismo que está entrando em decadência. É Michel que surge com a “big ideia”. Se tantos europeus, principalmente alemães gordos, são atraídos para paraísos tropicais (inclusive no Brasil) secretamente motivados pelo turismo sexual porque não “abrir o jogo”, porque não vender turismo sexual de forma só um pouco maquiada. Pois bem, o chefe de Valérie, em crise em seu casamento com uma mulher estranhíssima que frequenta secretamente clubes de sadomasoquismo, enfia o pé na jaca e aceita a ideia genial.

Voltam os três para a Tailândia e aí ficamos sabendo que Plataforma se insere perfeitamente nos romances de tragédia das fugas para paisagens e civilizações mais puras, mais selvagens. Obviamente não vou contar o final, mas Michel vivencia algo que muitos viram como um sonho profético a prenunciar os atentados de 11 de setembro de 2001, que abrem alas ao século XXI. A felicidade de Michel acaba junto com um escândalo e uma tragédia internacionais. Para sempre.


A alegria do amor físico (estou sim fazendo uma referência àquela cançãozinha sem-vergonha do compatriota safado de Houellebecq, o feíssimo, mas charmoso cantor Serge Gainsburg) de certa forma desaparece do mundo das pessoas civilizadas no Ocidente, acossada pelo dogmatismo religioso obtuso por um lado e por outro pela multidão de denunciadores progressistas das raízes patriarcais e misóginas de nossas formas de amar. É um torniquete. Os personagens de Aniquilar estão espremidos por ele. Vamos adiante com a leitura do último Houellebecq.



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