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  • Foto do escritorVinícius de Oliveira.

Acendendo uma Vela à Deus e outra ao Diabo.

Neuroquímica e Fantasmagoria é uma coletânea de contos que traz ótimos ares de renovação ao cenário da literatura brasileira contemporânea. Uma quase novela, as nove narrativas que compõem este volume formam uma unidade coesa do ponto de vista temático: todo o universo de questões em torno do consumo abusivo ou doentio de drogas e bebidas alcoólicas. Mas não só. As histórias se passam num mesmo espaço geográfico: o interior e a capital de Minas Gerais e alguns personagens chave aparecem em diversos contos.


A narrativa realista e a prosa fluida e livre de firulas de linguagem enfadonhas conduzem-nos a um universo em que as fronteiras entre o natural e o sobrenatural são questionadas de modo sutil, algo muito apropriado neste início de milênio de neo-ateus militantes e crentes irracionais, kardecistas-porque-a-Igreja-é-retrógrada, cada vez mais confusos. Os personagens, ao contrário, vivem acendendo uma vela à Deus e outra ao Diabo. Os contos têm o condão de por em dúvida todas as nossas certezas sobre as implicações psicológicas, sociológicas, políticas e, por fim, mas não menos importante, religiosas e metafísicas, a respeito do consumo de drogas e dos estados alterados da mente. Não são histórias que nos dão respostas para estas questões (embora muitas sejam sugeridas), nem fazem proselitismo de causas políticas ou “certezas” científicas, o que, aliás, é o papel da literatura de alto nível.


A prosa do autor mescla a alta cultura ao coloquial. São estórias do tempo presente. A história recente do país está lá, em estilhaços, dos anos 1960 até os grandes eventos do presente imediato, mas os personagens principais pertencem à geração descendente imediata dos baby boomers, a última geração da história humana que passou a infância sem internet. Embora as narrativas estejam fixadas no presente, o leitor atento encontrará muitos flashs históricos de outros tempos, até mesmo do século XIX. A “conversa” com a literatura “especializada” em drogas e estados alterados da mente está toda lá: Baudelaire, Huxley, Castaneda, Burroughs, Kerouac, William James, Stanislav Groff, Oliver Sacks. A velha prosa dos escritores mineiros, no estilo, conduz as narrativas onde o leitor encontrará ecos de Carlos Drummond, Fernando Sabino e Oto Lara Rezende. Mas também de autores portugueses, especialmente os modernistas Fernando Pessoa e José Régio. Rodrigo Gurgel, rigoroso crítico literário, o primeiro leitor destas narrativas, por exemplo, destacou a semelhança entre o protagonista do derradeiro conto, “Último Diário de Recaída”, e o eu lírico do poema “Cântigo Negro”, de Régio.


Os contos, eivados de diálogos muito bem construídos, nos assombram com desfechos dramáticos surpreendentes, mas também nos aliviam e divertem com o bom humor e a ironia suavemente negra de muitas narrativas, algumas delas cômicas; instilam dúvidas, mas também trazem uma grande novidade para a literatura brasileira contemporânea - tomada pelo narcisismo, pelo saudosismo melancólico, pela panfletagem política, pelo marasmo, pelo experimentalismo linguístico estéril e pelo niilismo covarde: instigam à perseguição da verdadeira saúde da mente e do corpo e ao amor ao destino e à vida em geral, mesmo em meio ao caos de incertezas, a medos superdimensionados, à pasmaceira, ao politicamente correto castrador, e aos terrores e dramas reais da vida do homem comum. Ao final da leitura, a mensagem que fica é: tudo se esvai e um dia morre, mas a esperança e o entusiasmo pela vida (élan vital, na expressão do filósofo Bergson) persistem, teimosos, irrefreáveis, invencíveis.


Rodrigo Gurgel assim dá um resumo do espírito deste livro, comentando o último conto, dizendo que nele “o leitor recorda as narrativas anteriores, e em meio a tantos dramas apresentados, é como se o autor encerrasse o original dizendo que os erros humanos ocorrem, apenas e exclusivamente, quando há ausência de amor.”


Não resta a menor dúvida de que ganhará muito o leitor adulto que desligar seus smartphones e computadores pessoais para dedicar alguns momentos de seu tempo à leitura impactante desta pequena joia literária.


Wilson Martins, psicografado por Augusto Cury.


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